Eu olhava para a carinha dele, tentando adivinhar o seu passado...
Muito carinhoso, andava para um lado e outro, entrelaçando-se nas pernas das pessoas da casa, passando os seus bigodes como se dissesse; você me pertence! Quando tinha chance, ia logo para o colo de um, ou para um cantinho da cama fazendo “colchinha” (aquele jeitinho que o gato faz que parece estar lembrando quando ainda mamava). Educado, só fazia xixi na caixinha de areia. Tinha sempre cafuné, porque mesmo se alguém não quisesse fazer, ele conseguia, tanta era a sua insistência. Tinha abrigo, carinho, comida, água fresca, era feliz e bonito. Um dia...
Um dia ele apareceu com uma pequena ferida no nariz, e as mãos do cafuné, nada fizeram. Essa ferida foi crescendo, crescendo, e as mãos do cafuné, nada fizeram. A doença cavava o seu nariz e parte do lado esquerdo da sua carinha, e as mãos do cafuné, nada fizeram. Ele começou a ficar feio. Começou a dar nojo nas pessoas, não era mais aquele bibelô, não lembrava mais um bichinho de pelúcia, não servia mais para dar carinho, então, as mãos do cafuné, estenderam-se para ele, e o jogaram para longe da sua casa. As mãos do cafuné, tornaram-se as mãos do desprezo, do abandono, da covardia, do desrespeito à vida. Coisas típicas do bicho humano. O bicho humano ama muito!!! Ama assim, e facilmente, o bonito, o belo, o são, o bom, o alegre. Como o bicho humano é ingrato, frio, egoísta! Às vezes, tentando imaginar os motivos de tanta covardia, ouvia as vozes do seu dono: “eu gostava tanto dele que não podia mais vê-lo assim, por isso, levei-o para longe de mim, para não vê-lo sofrer”! Um dia...
Gatinho querido Scarface. |
Um dia, fui ao consultório de uma amiga veterinária e ela me disse: tem um gatinho que foi abandonado aqui e está sem a parte da carinha. Respirei fundo e fui ver. Não sei como, apesar daquela enorme lesão, ele se enroscava em minhas pernas e passava o lado que ainda tinha bigode, em minhas mãos. Ronronava, e abaixava a cabecinha com um cafuné. Adorava carinho na orelha. Apesar da ferida, desidratação e magreza, comia, bebia e ainda parecia estar disposto a viver. Me ofereci para cuidar dele, pois a minha amiga estava assoberbada com tantos afazeres: reforma, atendimento, etc. Levei-o para casa, e no dia seguinte, ao me deparar com a piora da lesão, a mais amigos veterinários, para chegarmos a uma conclusão. As suspeitas foram câncer ou fungo (esporotricose ou criptococose). Se fosse câncer, no estágio em que estava, não havia mais o que fazer. Se fosse fungo, havia um fio de esperança, e nos agarramos a ele. Começamos imediatamente com o tratamento prescrito. Infelizmente, ele já estava muito debilitado e o seu organismo não reagiu bem ao tratamento com fungicida. Parou de comer e tivemos que interromper esta medicação. Continuamos com soroterapia e outros medicamentos para minimizarem o seu mal estar. A cada dia que se passava, o gatinho que conhecemos estava menos presente. Ele estava indo embora, e não havia mais meios de reverter a situação. Começou um estágio em que estavam presentes a dor, o sofrimento, a agonia... Não comia, não bebia, as feridas estavam aumentando, mal conseguia andar e, caindo, se esforçava hercúliamente para fazer xixi na caixinha. Como falei antes, quando há um fio de esperança, me agarro com todas as forças a ele, mas a minha esperança teve que ser confrontada com a realidade e a irreversibilidade do seu estado de saúde. Coloquei o seu bem estar em primeiro lugar, respirei fundo e levei-o novamente ao veterinário. As mãos que ultimamente lhe deram carinho, água comida, remédio, levaram-no à boa morte, para enfim, descansar.
Etimologicamente, a palavra "eutanásia" deriva do grego "eu", que significa "bom ", e "thanatos" que significa "morte". Isto quer dizer principalmente boa morte, morte aprazível, sem sofrimento.
Etimologicamente, a palavra "eutanásia" deriva do grego "eu", que significa "bom ", e "thanatos" que significa "morte". Isto quer dizer principalmente boa morte, morte aprazível, sem sofrimento.
Nossos profundos agradecimentos às Drªs Lucélia, Lígia, Isabela Goulart e ao Dr. Carlos Magno.
Obs: depois da eutanásia, o corpinho de Scarface foi doado a mestrandos da UENF que, ao saberem do seu caso, pediram para tê-lo em estudos e exames minuciosos. A esporotricose está se disseminando em nossa região e pode atingir órgãos internos quando não tratada a tempo. Estes estudantes não tinham, até então, nenhum gatinho com este caso para se aprofundarem em suas pesquisas. Além do mais, foi explicado que não devemos enterrar em nossos quintais os corpos dos bichinhos com esta doença, e sim, incinerar. O corpinho de Scarface contribuirá para que outros gatinhos não sofram como ele sofreu.
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